quinta-feira, outubro 8

O Ultimo Texto.







Não que esse seja o meu ultimo texto, claro. Estava eu assistindo a uma peça de teatro esta noite e antes mesmo do fim da peça me peguei pensando em como seria meu ultimo texto. [Não sei por que ainda uso expressões como “me peguei pensando”, como se fosse possível não saber no que eu mesma penso. Mas enfim, continuando...] A peça se chama “A Ultima Gravação de Krapp” e é interpretada por um simpático velinho na pele de um solitário senhor. Krapp está com cerca de 70 anos e se senta em seu escritório para ouvir uma gravação feita quando tinha 39 anos. Descobre com humor que velhos hábitos não mudaram, como comer 3 bananas antes de grava ou ouvir alguma coisa, e lembra-se de como era sua vida. Não muito diferente do que é agora, imagino, já que naquela fita Krapp já estava sozinho e vazio ao gravar. Só havia uma coisa diferente em seu passado, algo que o fez praticamente chorar quando ouviu; o fato de que ele amava. E ele conta, com alegria não-disfarçada na fita que ela o olhou. Para tudo. Ta certo que não é por que o cara ta apaixonado que o fato da garota olhar pra ele vai ser tão tocante como se ela tivesse tascado-lhe um beijo. Ta, beleza, pode ser que naquela época significasse tanto, mas acho que ele simplesmente interpretou de um jeito diferente. Por que ele havia pedido pra ela olha-lo. E ela olhou. “Deixou-me entrar” foi o que ele disse. Mas creio eu que tamanha felicidade não se devia apenas a este fato. Eles haviam realmente compartilhado alguma coisa. Ta, estavam sozinhos em um barco encalhado em pleno anoitecer, mas a gente ignora esse detalhe. O fato é que o cara estava pra lá de feliz. De verdade. E por ouvir tanta felicidade antiga, ele agora chorava. É, ele realmente havia amado alguém. E esse alguém, ele perdeu. Lendo sobre a peça descobri que ela foi inspirada numa namorada de juventude do autor que faleceu prematuramente devido a uma grave doença. Mas seu não tivesse lido nada a respeito, eu ainda saberia. A dor dele é profunda demais, chega a dar pena do velinho, sério mesmo. E logo depois de ouvir a gravação – entre eventuais choros, socos na mesa e goles de bebida – ele começa uma nova. Suponho, pelo titulo da peça, que seria sua ultima. E ele estava realmente triste. É incrível como isso é nítido. É proporcional a felicidade que ele sentia 30 anos atrás quando gravou que finalmente estava nos braços da mulher amada. Agora ele lamentava. Poda ter ficado mais tempo com ela, mas não. Era jovem, tinha muito que estudar, muito que aprender, tolice! Ele podia ter amado, e não quis. Quis, sim, é verdade, dava pra notar no tom de sua voz que ele queria. Mas não foi o que fez. E é assim que ele termina a gravação, a peça e, possivelmente, a vida. Lamentando ter o amor em suas mãos, saber senti-lo, mas ser jovem demais para acreditá-lo. É Nesse ponto da minha reflexão que começa o segundo momento do teatro, “Ato 1 Sem Palavras”. Que também é fantástico, quando você entende. Confesso, não prestei tanta atenção no Sem Palavras, estava ocupada demais com meus devaneios sobre o Krapp. Pobre Krapp. Mas não posso deixar de admitir que a segunda peça foi, no mínimo, muito interessante. Totalmente silenciosa, por parte do personagem, claro, que por sua vez seguia um irritante apito que – acho eu – queria lhe dizer que havia algo pra ele. Seu desejo é extremamente simples: água. Mesmo com o tempo chuvoso e coisa e tal, admito que até eu estava começando a sentir calor com toda aquela luz sedo refletida do palco. Parabéns à iluminação do SESC, fizeram um excelente trabalho. Certo, voltando a história da peça. O Cara estava ali, naquele sol todo, querendo uma garrafa de água. Eis que surge, milagrosamente pendurada por uma corda, a bendita garrafa de água. Inalcançável. Pausa para a análise. O cara tem, praticamente nas mãos, aquilo que mais quer, que mais precisa, e simplesmente não tem forças para agarra a garrafa: está muito alta. Alguém já viu um pobre velhinho com uma história parecida, ou fui só eu? Ok, voltando. Eis que milagrosamente surgem na história uma tesoura, dois grandes quadrados de madeira (que o velho inteligentemente usa para tentar pegar a garrafa, mas é em vão) e uma corda que ele usa para “laçar” a garrafa. Adianta? Não. É ai que passa pela cabeça dele se matar enforcado. Como eu sei disso? Simples. Pela cara de sofrimento e alívio que ele faz quando vê o nó na corda num tamanho suficiente para encaixar a cabeça ali dentro e pula de cima das madeiras. E ele tenta. Ou, pelo menos, tenta tentar. Mas, seja lá o que quer que estivesse dando tantos “presentes” pra ele o tira a possibilidade de se matar. Nem sua vida era mais dele. É ai que o cara para. De vez. Como se tivesse cansado da ‘brincadeira’ o cara-que-dá-os-presentes-e-tira-sem-piedade resolve “devolver” a garrafa de água, colocando-a ao alcance das mãos do pobre coitado. Mas ai é tarde de mais. Ele já está morto. Certo, ta ali, de pé, com os braços estendidos e essa coisa toda, com a cara de sofrimento que nem as criancinhas famintas do nordeste conseguem fazer, mas ta morto. Por dentro. Já não tinha mais nada que o fizesse continuar. E, como disse o grande Caio Fernando de Abreu, “Tem coisa mais auto destrutiva que continuar sem fé nenhuma?”. E assim termina o espetáculo. A Segunda história por acaso te lembrou alguém sobre quem você leu hoje? Não? Ah, sim... Desculpe-me então. Fui só eu que relacionei coisas de mais por uma noite. Enfim, não era sobre isso que eu ia escrever hoje, mas, a peça foi fantástica, e eu sei que amanhã terei muito mais inspiração para escrever sobre minha deliciosa irritação. Ah sim, resolvi não deixar de escrever mais nada por falta de tempo. Nunca se sabe se esse pode ser meu ultimo texto não?

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